O gambá e as galinhas

     Vivo frequentemente em guerra com os gambás. O local onde moro é fruto de invasão de uma parte da mata atlântica, onde implantaram a cidade de Paraty. Há muitos animais por aqui de diversas espécies e entre eles está o gambá. Como grande parte de sua área foi destruída os gambás vivem circulando pelos quintais em busca de alimentos. São verdadeiros heróis pela sua resistência às constantes agressões sofridas pelo bicho-homem.

     Paraty foi implantada numa grande parcela da Mata Atlântica que por aqui residiam os índios em convivência amistosa com a rica fauna. Veio o homem branco, dizimou um enorme contingente de índios junto com inúmera quantidade de animais. Sobreviveram alguns índios que ainda vivem confinados numa área que lhes destinaram, e os bichos vão se virando como podem para sobreviver – são pacas, cotias, capivara, ouriço-terrestre, macacos, cobras, lagartos e muitos pássaros de diferentes plumagem e cores.

     O gambá é parecido com um rato. Peludo, com uma cauda grande que muitas vezes a usa do mesmo jeito que os macacos para se sustentar num galho de árvore. Possuem unhas grandes que servem como garras para ajudá-lo a subir em muros, troncos de árvores, postes e outros obstáculos. Têm o hábito noturno, não são agressivos em momento algum, mesmo quando estão sob ameaça. Fuçam tudo que encontram pelo caminho a procura de alimentos. Comem praticamente de tudo – lacrau, centopeia, aranha, cobras, pequenos mamíferos, frutas e galinhas. Como transitam pela área urbana, contígua à mata da BR 101 – Rio x Santos, remexem os lixos em busca de algo comestível. Uma característica do Gambá é sua docilidade – ele não rompe nada ou quebra alguma coisa pra obter o que comer. Não é violento.

    É um dos poucos animais que não se intimidou com a presença do homem e sobrevive heroicamente aos ataques da população. O pior de tudo é que os nativos têm o hábito de comer sua carne com a maior naturalidade. É proibido, claro, mas o respeito a essa proibição passou longe. Dizem que possui gosto de galinha. Mas o que tem o gambá a ver com minhas galinhas? Explico:

    Pouco depois que vim morar em Paraty, já aposentado, resolvi tomar como uma das atividades, criar galinhas no quintal. Não de forma comercial, mas para ocupar o tempo e comer ovos saudáveis. Construí um galinheiro com estrutura de madeira e fechamento com tela de arame de malha 5 x 10 cm, inclusive no teto para coibir a entrada dos gambás. Inclui uma pequena infraestrutura para as aves se abrigarem e colocar seus ovos. No interior do galinheiro fiz uma gaiola e coloquei 6 codornas. Minha criação inicial foi de 7 galinhas, 1 galo e 6 codornas. A gaiola das codornas não tinha uma proteção muito rigorosa, porque já estava dentro do galinheiro.

     Primeiro acidente: Descuidei-me do fechamento do galinheiro e não percebi um pequeno buraco numa das laterais. O gambá, muito esperto, achou a abertura, entrou no galinheiro e comeu minhas 6 codornas. Pela manhã, como fazia todo dia, fui ao galinheiro para colocar ração e deparei com os seis cadáveres dilacerados das codornas. Desmontei a gaiola e resolvi não criar mais aquelas aves. No lugar montei dois ninhos para as galinhas.

    Segundo acidente: Certa vez, ao chegar no galinheiro de manhã, encontro uma galinha com o traseiro sem penas e ferido. Foi ataque de gambá, deduzi. Vasculhei o ambiente e descobri o dito cujo escondido por trás de uma tábua. Era um filhote ainda inexperiente, por isso “perdeu a hora” e não voltou pro seu refúgio. Apesar de ser ainda filhote, já estava exercendo sua atividade principal que é caçar para viver. Seu pequeno tamanho impediu que causasse maiores danos na galinha. Só arrancou penas e a feriu sem gravidade. Peguei o “rapazinho” e soltei-o no mato. Neste caso, não poderia fazer nada porque a dimensão da malha da tela permitia a passagem do gambá daquele tamanho.

    Terceiro acidente: De manhã, sempre pela manhã, ao entrar no galinheiro, deparei com uma galinha morta no chão. Sem cabeça, com uma enorme abertura no traseiro e sem as vísceras. Examinei minuciosamente as laterais e o teto do galinheiro e não encontrei nenhuma abertura que me pudesse dizer – foi por aqui que ele passou. Para mim aquilo ficou como mistério. Um inquérito não resolvido, como diria um policial. Portanto, ficou por isso mesmo.

    Quarto acidente: Ao entrar no galinheiro vejo penas do galo espalhadas por todo lugar. Procuro por ele e o encontro num cantinho todo encolhido, com a crista dilacerada, muito sangue na cabeça e cego de um lado. Mais uma vez: ataque do gambá. Não poderia ser outra coisa. Como o galo era muito grande, forte, houve muita luta, por isso as penas espalhadas, e o gambá não conseguiu matá-lo. Novamente, após cuidadoso exame, não achei nenhuma abertura que permitisse a passagem de um gambá adulto. Como não houve a concretização do crime, conclui que o gambá iria voltar no dia seguinte para terminar sua obra, portanto, eu deveria ficar esperto.

    E assim aconteceu: Neste mesmo dia, por volta das vinte e uma horas, uma das galinhas começou a gritar, emitindo um barulho típico de quem está sendo ameaçada. Peguei a lanterna e corri até o galinheiro. Ao abrir a porta, a galinha assustada saiu correndo para fora e as outras estavam quietas no poleiro. Procurando com a lanterna, visualizei o gambá lá dentro. Peguei um pedaço de pau para enxotá-lo e ele correu para a direção de onde entrou. Finalmente descobri o caminho por onde passara. O galo ficou num estado irrecuperável, mas não tive coragem de matá-lo para comer, então dei para a faxineira levar e se alimentar com a carne da ave. Disse-me ela que o galo estava delicioso, muito gordo.

    Solução para o problema com o gambá e as galinhas. Acabei com a criação de galinhas. Dei todas as aves para nossa faxineira que ficou feliz.

    Apesar de tudo isso, o gambá continua transitando todos os dias aqui pelo quintal. Brinco dizendo que tenho um gambá de estimação. É mais ou menos isso, porque uma fêmea fez seu ninho sobre o telhado de casa, num cantinho escuro e lá ela fica o dia inteiro sem incomodar ninguém. Sai apenas à noite para procurar comida. Não nos incomoda. Ao contrário, ele nos protege porque até hoje nunca encontrei um bicho peçonhento no meu quintal, exceto cobra. Acho que nesse ia o gambá não apareceu, estava andando por outras bandas.

     Certa vez encontrei no quintal um gambá enorme morto. Alguns dias depois, achei outro na mesma situação. Provavelmente algum vizinho colocou veneno para matar rato e o bicho comeu a isca envenenada. Espero que isso tenha sido acidental e não intencional.

     E assim a vida continua, nós e o gambá vivendo amistosamente.

Picture of Prazer, sou Eduardo Mussi

Prazer, sou Eduardo Mussi

Nascido em Belém do Pará e em janeiro de 2013 aposentou-se e fixou residência em Paraty – RJ. Publicou seu primeiro livro em 2022. Está sempre em movimento – frequenta academia de musculação, faz caminhada e rema pela baía de Parati, pelo menos duas vezes por semana. Cultiva horta e faz manutenção em seu jardim. Sempre lê, todos os dias.

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Prazer, sou Eduardo Mussi

Nascido em Belém do Pará e em janeiro de 2013 aposentou-se e fixou residência em Paraty – RJ. Publicou seu primeiro livro em 2022. Está sempre em movimento – frequenta academia de musculação, faz caminhada e rema pela baía de Parati, pelo menos duas vezes por semana. Cultiva horta e faz manutenção em seu jardim. Sempre lê, todos os dias.

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