A MORTE

Hoje encontrei com um amigo que não via há algum tempo. Foi uma festa, porque gosto muito dele e ele gosta muito de mim. Nos entendemos bem, pois temos uma sintonia que não se perde, mesmo se passarmos algum tempo sem se ver. No encontro, nos abraçamos e ele me perguntou:

– Como estás? Como está a vida?

– Está em paz. – Respondi e acrescentei: – Hoje ao acordar tive um encontro com a morte e tivemos uma conversa legal.

Ele ficou me olhando, com um olhar interrogativo, analisando meus gestos, minha postura, meus movimentos. Como tinha se passado muito tempo sem nos vermos, percebi que, ao lhe dar aquela informação do encontro com a morte, ele ficou prestando atenção para ver se eu estava realmente passando bem. Se não havia ficado demente, louco, ou coisa parecida. Mesmo assim, não perdeu a compostura e comentou:

– Foi mesmo? O que vocês conversaram?

– Ah, primeiro foi uma fase das apresentações, porque eu a conhecia só de nome, e ela também, não me conhecia.

– Mas o que foi que deu nela, para ir te procurar logo após teres acordado?

– Não, ela não foi me procurar. Disse que estava passando por ali, naquele momento, e viu que eu tinha acabado de pensar nela, então parou para conversar comigo.

– E você pensou nela, mesmo?

– Pensei, claro. Aliás penso nela quase todos os dias, e disse isso a ela.

– E o que ela lhe disse quando você falou isso para ela?

– Disse que ficou lisonjeada e agradeceu por eu estar presente nos meus pensamentos. “Não vou esquecer disso nunca” – ela disse toda satisfeita.

– E como é a morte? Feia ou bonita? Ela tem aquele aspecto de caveira carregando uma foice? Ou está vestida com aquele manto preto, assustador?

– Não é nada disso, cara. É uma mulher muito bonita. Até comentei isso com ela. E ela me respondeu: “Sua mente que molda a forma como me quer ver”

– E você quando pensa na morte, pensa desse jeito: uma mulher bonita?

– Sim. Sempre imagino uma mulher que nunca vi antes, bonita, corpo monumental, sorridente e carinhosa.

– E o que mais você conversaram?

– Disse-lhe que tinha tanta coisa para perguntar que não sabia por onde começar e nem se teria tempo de perguntar tudo. Ela me respondeu, muito sorridente: “Tenho a eternidade à sua disposição”.

Fiquei meio envergonhado e constrangido com aquela resposta, mas consegui fazer uma a primeira pergunta:

– Quando você vai me levar?

– Essa pergunta é difícil, porque não sei quando isso acontecerá. – Mas por que você está preocupado com isso?

– Porque acho que essa pergunta a maioria das pessoas faz.

– É verdade, mas você não deveria se preocupar com isso. Não vale à pena e não tem o menor sentido. Viva o presente, aproveite ao máximo a vida que você tem, sem se preocupar comigo. Aliás, me esqueça e pare, por favor, de ficar pensando em mim o tempo todo.

– Mas não consigo parar de pensar em você.

– Consegue, sim. É só você querer. E o melhor caminho para isso é ocupar seu tempo. Ao acordar de manhã, pense logo nas atividades que você tem para fazer naquele dia. Você pensa muito em mim, porque está muito ocioso, preguiçoso, só quer saber de beber e conversar coisas inúteis no boteco, na maior parte do seu dia. Vai dormir cheio da cachaça e ao acordar, bate o vazio na mente e logo pensa em mim.

– Como você sabe que passo muito tempo no boteco?

– Ora, homem! Em cada talagada de cachaça que dás, pensa em mim. Larga do meu pé! Ou queres que te leve agora? Se quiseres é pra já!

– Não, não. Agora não. Prometo que não vou mais pensar em ti.

– Ótimo. Vai fazer alguma coisa de útil. Vou te dar uma dica: Vai escrever.

Picture of Prazer, sou Eduardo Mussi

Prazer, sou Eduardo Mussi

Nascido em Belém do Pará e em janeiro de 2013 aposentou-se e fixou residência em Paraty – RJ. Publicou seu primeiro livro em 2022. Está sempre em movimento – frequenta academia de musculação, faz caminhada e rema pela baía de Parati, pelo menos duas vezes por semana. Cultiva horta e faz manutenção em seu jardim. Sempre lê, todos os dias.

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Prazer, sou Eduardo Mussi

Nascido em Belém do Pará e em janeiro de 2013 aposentou-se e fixou residência em Paraty – RJ. Publicou seu primeiro livro em 2022. Está sempre em movimento – frequenta academia de musculação, faz caminhada e rema pela baía de Parati, pelo menos duas vezes por semana. Cultiva horta e faz manutenção em seu jardim. Sempre lê, todos os dias.

31 comentários em “A MORTE”

  1. Otacílio

    Acho que ainda não havia pensado na morte de forma personificada. Pra mim é quase uma companhia que eu não vejo direito, mas sei que está ali andando ao meu lado. Meu amigo, o seu texto está muito afiado, puxando a gente para a vida além da conversa.

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As cinzas e outros contos

Um olhar sincero sobre a complexidade humana.
Em “As cinzas e outros contos”, o escritor Eduardo Mussi explora as intensas dualidades da existência: vida e morte, amor e ódio, dor e esperança.
Com uma escrita fluida, ele apresenta uma série de histórias singulares, aparentemente desconexas, em que os personagens enfrentam dilemas profundos em sua busca por felicidade e compreensão de seus próprios limites.
Nesta obra, cada narrativa convida o leitor a uma jornada breve, porém intensa, marcada por finais em aberto que ressoam com a imprevisibilidade da vida real. Mussi demonstra com maestria que, embora seus textos sejam fictícios, as imitações da vida na arte e entre os indivíduos — com seus vícios e virtudes — são um espelho poderoso da realidade.